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Jerônimo Mendonça Ribeiro – A Redenção de um Espírito

Trabalhadores incansáveis deram uma enorme contribuição para a divulgação do espiritismo no Brasil por meio da publicação de livros, tais como: Chico Xavier, Yvonne do Amaral Pereira, Zilda Gama, Herculano Pires. Neste universo, temos a figura de Jerônimo Mendonça Ribeiro, com o seu exemplo de abnegação e coragem ao enfrentar grandes tribulações de ordem física.

Porém, antes de falarmos sobre esse importante personagem, é imperativo que façamos um passeio pela história para que possamos compreender melhor como funciona a Lei de Causa e Efeito e, por conseguinte, quais foram as razões para que a sua última passagem pela Terra tenha sido tão difícil. São conhecidas três encarnações passadas de Jerônimo.

Voltemos então no tempo, até a fabulosa e exótica civilização do Egito antigo, onde o príncipe Horemseb, na cidade de Mênfis, vivia no luxo extremo em seu sinistro e suntuoso palácio. Ambicioso, ele pretendia desenvolver a capacidade de ver o futuro, interessado no que o porvir lhe traria. Acreditava que esta seria para ele uma inesgotável fonte de bem-estar e felicidade inenarráveis. Pretensioso, buscava também pela vida eterna na matéria julgando ser possível a permanência do espírito ligado para sempre à carne. Para alcançar tal objetivo, Horemseb, contava com a ajuda de Tadar, um ancião a quem chamava de mago. Este, era um homem ligado ao plano inferior, manipulador de essências que oferecidas ao príncipe, tornavam-no um homem sedutor, irresistível, levando as mulheres a desenvolver por ele uma paixão irrefreável, doentia. Havia entretanto um lado macabro por trás da ambição do príncipe. Acreditando piamente nas palavras e nas ações do feiticeiro, Horemseb vez ou outra oferecia ao abjeto Tadar, uma jovem para que esta fosse sacrificada como troca da obtenção de seus objetivos tresloucados. A lâmina fria e cruel do punhal do feiticeiro cravava firme no coração das pobres vítimas. Horemseb e seu desprezível bruxo bebiam deliciados o sangue que escorria dos corpos daquelas infelizes. Após o ato insano, os corpos eram incinerados, dentro de uma pira colocada nas entranhas de uma estátua do Deus Moloch, divindade das profundezas, dos subterrâneos e dos abismos, dando fim a hedionda ação.

O fim do príncipe foi trágico, preso e condenado a ser murado vivo, recebeu na cadeia uma visita de Neith, por ele apaixonada, e esta deu-lhe de beber de um frasco cujo veneno o matou, livrando-o do pavoroso destino. Mesmo assim, o seu corpo morto foi murado porque tão nefasta criatura não merecia segundo os juízes que o apenaram outro destino que não esse.

Quando Horemseb deixou a matéria, muito tempo depois reencarna como o rei persa Cambises que dominou o Egito a partir de 524 a.C. A maldade e baixeza do espírito fez-se novamente presente. Em um acesso de fúria matou a irmã que estava grávida espancando-a até a morte. Tinha um comportamento instável e violento. Dominado o Egito, atacou as estátuas dos deuses egípcios, destruindo-as além de invadir antigas sepulturas e expor as múmias. Era conhecido pela ferocidade com a qual abatia os inimigos, ou àqueles que ousassem intrometer-se no seu caminho. O seu fim é motivo de controvérsias, mas a hipótese mais aceita é que tenha se suicidado.

Sob a inexorável lei da reencarnação, muito tempo depois, em 1845, o espírito agora volta à matéria encarnado como Luis II, o rei da Baviera. Perturbado e megalomaníaco, construiu enormes castelos na Alemanha usando o dinheiro do erário público. Sem assumir as suas obrigações como monarca, acabou sendo destituído três anos após iniciar o seu reinado, quando os médicos atestaram que ele sofria de paranoia. Por suas atitudes estranhas, ganhou a alcunha de “O Rei Louco”.

Porém, esse espírito a exemplo de outras encarnações pregressas continuava preso às baixas paixões, permitindo-se viver na lascívia e devassidão. Desencarnou em 1886 em circunstâncias não esclarecidas. Acredita-se que tenha sido assassinado.

O Reencarne como Jerônimo Mendonça

No plano espiritual, o espírito reconheceu-se muito endividado. A sua consciência despertou para o fato de ter errado muito nas encarnações anteriores, onde havia prejudicado muita gente. Entendeu que se continuasse causando o mal, receberia o mesmo de volta. Aos poucos, foi se modificando, superando a natureza rebelde, sentiu a necessidade de reduzir seus enormes débitos com a divindade e intimamente queria provar que havia mudado. Assim, desejou reencarnar, em uma condição precária, sofrendo de uma enfermidade que o deixasse preso a um leito, sem fala, sem audição e cego.

As entidades espirituais, encarregados do processo reencarnatório, os Espíritos Construtores, como a eles se refere André Luís na obra Missionários da Luz, ao analisarem a escolha feita pelo espírito consideraram muito justas as reivindicações feitas, porém, intercederam, mantendo a condição de fala, audição e visão, esta última por algum tempo, para que com o uso dessas faculdades pudesse ele desenvolver uma tarefa edificante seguindo o ensinamentos de Jesus Cristo e trabalhasse auxiliando ao próximo através de suas palestras e da publicação de seus livros.

Sob a realidade da Lei de Causa e Efeito, retorna então o espírito na figura de Jerônimo Mendonça Ribeiro. Agora os seus olhos, que tanto foram usados em vidas pregressas para ver coisas más, depois de um curto tempo só veriam o plano espiritual; seus ouvidos no passado usados para escutar o mal, serviam agora para ouvir as queixas e os dramas daqueles que o procuravam em busca de ajuda; e a dor constante e terrível no seu peito, era uma forma de redimir-se do suplício imposto a tantas mulheres, em seu passado delituoso.

Jerônimo Mendonça Ribeiro

Quase um século depois, o espírito reencarna em Ituiutaba/MG, em 1º de novembro de 1939.

Sua família era grande, tinha nove irmãos, e por conta disso havia muitas dificuldades materiais. Desde cedo começou a frequentar a Igreja Presbiteriana, e articulado e inteligente como era, já aos 14 anos proferia palestras. Entretanto, a perda de sua querida avó foi um duro golpe para ele, fazendo com que passasse a questionar os ensinamentos recebidos em que não se acreditava na vida futura, nem muito menos na reencarnação. Em busca de respostas, interessou-se pelo espiritismo e abraçou a doutrina, passando a participar de atividades junto aos jovens de um centro onde havia uma Mocidade Espírita.

Aos 18 anos os sinais da doença, a artrite reumatoide progressiva, já se faziam presentes causando muitas dores e dificuldade de locomoção. Já aos 20 anos não podia movimentar-se mais e ficou definitivamente de cama, situação essa que perduraria pelos próximos trinta anos, até a sua morte. Começava a grande expiação pelo qual passaria esse espírito tão endividado e comprometido com o seu passado.

Com o agravamento de seu estado, seus amigos fizeram para ele uma cama especial. Tomava medicamentos, mas esses não impediam o seu sofrimento com as dores excruciantes que sentia. Os seus próximos providenciaram um saco com 30 kgs de areia e colocavam-no sobre o seu peito para amenizá-las. Jerônimo lia muito, e quase não dormia. Tornou-se um importante orador espírita e para deslocar-se ganhou de uma boa alma uma Kombi que o levava aos locais para fazer as suas palestras, pois o veículo permitia que sua cama fosse acomodada e assim ele era transportado. Com o passar do tempo, a doença agravou-se e Jerônimo perdeu a visão. Seus fiéis amigos passam a ler livros para ele.

Consulta ao Dr. Fritz

Esperançoso em obter a cura de seus males que tanto o incomodavam, Jerônimo foi levado a Congonhas do Campo para uma consulta com o médium Zé Arigó. Depois de horas de espera, finalmente chegou o momento de ser atendido. Arigó chama pelo seu nome e o espírito Dr. Fritz, a quem o médium servia de instrumento para a realização de suas cirurgias, olha para ele e diz que ele tinha a doença dos três “cês”: cama, carma e calma.

O Show de Roberto Carlos no Canecão

A vida de Jerônimo também foi recheada de passagens pitorescas. Uma delas foi quando ele resolveu ir ao Canecão, no Rio de Janeiro, assistir a um show de Roberto Carlos, a quem tinha conhecido em uma de suas visitas a Chico Xavier. Sempre na Kombi, que acomodava a sua cama especial, e levado por seus amigos, aguardava o momento para entrar quando um homem veio conversar com ele e impressionado com a sua condição disse-lhes que facultaria a entrada dele e seus companheiros para assistir a apresentação do “Rei”, e mais, levaria todos ao camarim para falarem com o cantor. Esse homem era o diretor da casa de espetáculos.

Quando Roberto Carlos viu Jerônimo, reconheceu-o e tratou-o com imenso carinho e irreverência, como se fossem amigos de longa data. Inteirado sobre o edificante trabalho do mineiro, Roberto Carlos doou vultosa soma em dinheiro para as obras assistenciais de Jerônimo, e nunca procurou saber como a importância tinha sido usada. Foi utilizada muito bem, para ajudar as despesas do Lar Espírita Pouso do Amanhecer, fundado por Jerônimo e que atendia 200 crianças carentes por dia.

Fundação de Centros Espíritas e Livros de sua Autoria

As limitações físicas não impediram Jerônimo de fundar os centros espíritas “Seareiro de Jesus” e “Manuel Augusto da Silva”. Escreveu ainda, seis livros: Crepúsculo de um Coração, Cadeira de Rodas, Nas Pegadas de um Anjo, Escalada de Luz, De mãos dadas com Jesus e Asas da Liberdade. Toda a renda originária da venda de seus livros foi destinada a instituições de caridade e obras beneficentes.

Um Grande Senso de Humor

Apesar de todo o sofrimento, Jerônimo notabilizou-se pelo seu grande senso de humor. Para vencer a penitência, utilizava dessa virtude para poder suportar com mais coragem a sua terrível situação. Gostava de conversar, de cantar e nunca se negou a receber as pessoas que o visitavam ávidas por serem aconselhadas por ele.

Por várias vezes concedeu entrevistas, inclusive na TV, tendo recebido pela sua determinação e resignação o epíteto de “o gigante deitado”.

Gracejava com a sua própria condição, uma vez chegou a afirmar: “casei-me com a doutrina espírita no civil e com a dor no religioso”.

Certa ocasião, quando ainda enxergava, tinha sido levado ao cinema pelos seus amigos, e obviamente sempre deitado na cama feita especialmente para ele, uma moça tropeçou no seu leito e exclamou furiosa, “isso não é possível, em qualquer lugar que eu vá, encontro o aleijado, essa criatura me persegue!”, percebendo a irritação da moça, Jerônimo pensou numa resposta e saiu-se com essa, “pudera, minha cara, você não para em casa, né?”. Surpresa com a resposta, a moça começou a rir, Jerônimo também riu e, no final, tornaram-se grandes amigos.

Amigo de Chico Xavier e de Divaldo Franco

Em sua curta existência, Jerônimo conheceu Chico Xavier e Divaldo Franco. Pelo primeiro foi aconselhado a ter confiança e jamais permitir que o desalento e a revolta tomassem conta de seu ser, e que mantivesse sempre o seu bom humor. Quanto a Divaldo Franco, Jerônimo assistiu a várias palestras que o ajudavam a ter ainda mais conhecimento da doutrina.

Em uma ocasião, assistindo a uma palestra do famoso orador, estava posicionado de uma forma que não atrapalhasse a circulação das pessoas, nisso aproximou-se dele um homem visivelmente embriagado e ao vê-lo disse “paralítico, levanta-te e anda”, Jerônimo, com a maior calma do mundo, responde a ele “depois, meu irmão, depois”, mas o homem insistiu, “paralítico, levanta- te e anda“, Jerônimo então responde, “meu caro, tenho muita vontade de levantar, mas para mim isso é impossível”, então o homem visivelmente desolado, diz “Oh, homem de pouca fé”.

Jerônimo, desencarnou em 1989, aos 50 anos.

A sua comovente história é mais uma prova inequívoca da bondade infinita de Deus, que a todos dá o direito de redimir-se dos erros do passado, não importando a gravidade dos mesmos. E ao seu tempo, vem também demonstrar a enorme capacidade de resignação desse espírito enfrentando um grande martírio, mas que aceitou exemplarmente a sua prova e assim obteve a sua redenção.

Por Gilson Tadeu Pereira

Bibliografia:

Romance de uma Rainha – I e II, pelo espírito J.W. Rochester e médium Wera Krijanowski

Asas da Liberdade, de Jerônimo Mendonça Ribeiro

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