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Jésus Gonçalves, da Agonia à Redenção

Imortal, o espírito através das sucessivas encarnações tem a oportunidade de evoluir até atingir a perfeição possível, quando então não será mais necessário revestir-se de um corpo físico. A perfeição total só Deus a tem.

Na sucessão de experiências como encarnado, o espírito, agora alma, se defronta com as mais variadas situações que podem retardar ou tornar um pouco menos longa a sua evolução. E isso é fruto da inteligência desenvolvida e do uso do livre arbítrio, que pode ser direcionado para o bem ou para o mal. Alguns espíritos muito endividados podem vir em uma condição de grande sofrimento, em expiação, como forma de ressarcir-se de débitos contraídos nas encarnações passadas. Como é o caso de nosso personagem aqui retratado.

Encarnações anteriores de Jésus Gonçalves

Voltemos no tempo, para contar um pouco da história de Jésus Gonçalves, e algumas de suas encarnações pregressas.

Como Alarico I, (395 a 410 d.C.), foi um rei visigodo, este era um povo de origem germânica, presente na região da Escandinávia. Em 410 toma a cidade de Roma, no episódio que viria a chamar-se do grande saque de Roma, pois a cidade foi pilhada pelas suas tropas com intensidade jamais vista.

Estando suas tropas às portas daquela cidade, aguardando ordem para o ataque, o bispo Agostinho de Hipona* – mais tarde, Santo Agostinho –,  dirige-se ao acampamento de Alarico e pede a ele clemência com o povo, uma vez que o guerreiro era conhecido pela sua violência para com os seus inimigos. O mesmo ao vê-lo humilha-o perguntando a ele por que o seu Deus não tinha poder para impedir a invasão. Além disso, sofrendo um ataque de fúria em função da ousadia do religioso de vir até ele, manda que os soldados o degolem e pendurem a sua cabeça como troféu. Esses, timidamente dizem a ele que matar um sacerdote era mau agouro e Alarico muito contrariado acaba por ceder.

Porém, mesmo um homem insensível como aquele foi parcialmente tocado pelas doces palavras da bondosa e destemida alma, e ordenou que as Igrejas fossem poupadas durante o ataque. Assim, os que nelas se refugiaram, conseguiram sobreviver.

Alarico I desencarnou no mesmo ano de 410, após a campanha contra Roma, enquanto empreendia uma viagem à África acalentando o sonho de tornar-se o homem mais poderoso do mundo. Não conseguiu, pois ainda na Itália, na cidade de Cosenza, uma tormenta dizimou o seu exército junto com ele.

Agora desencarnado, padece de grandes sofrimentos nas regiões abismais. Angustiado, via as suas vítimas a cobrá-lo ameaçando-o. Sua consciência pesava, em função de seus condenáveis atos.

Aproximadamente 60 anos após, reencarna no mesmo local, e torna-se Alarico II. Embora revelando-se menos cruel em comparação com a encarnação anterior, continuava arrogante, extremamente ambicioso, com um irrefreável desejo de conquistas e implacável com os inimigos.

Em 507 na feroz batalha de Vouillé, perto de Poitiers, contra o exército franco comandado por Clóvis, é morto por este.

Não se tem conhecimento das outras encarnações deste espírito, antes de encontrá-lo em nova romagem terrestre, na França, no século XVI, em 1585, como Armand Jean du Plessis Richelieu, mais tarde conhecido como o Cardeal Richelieu. Tornou-se figura forte do regime monárquico francês, e por conta disso era odiado e temido por todas as camadas da sociedade.

Foi primeiro ministro de Luís XIII de 1628 a 1642, e por 18 anos foi o homem mais poderoso da França, não hesitando em mandar decapitar aos inúmeros oponentes de seu governo. Uma vez afirmara que “para mim existem dois deuses: Deus e a França”, mostrando com isso todo o seu fanatismo.

Com o apoio do Rei, envolveu-se em guerras, sendo a principal delas que ficou conhecida como a Guerra dos Trinta Anos. Nela apoiou os protestantes da Alemanha, e comprometeu a França ao declarar guerra contra a Espanha.

Agora, depois de suas nefastas encarnações como Alarico I e depois Alarico II, mais uma vez sucumbe diante da ambição e do desejo de conquista, deixando assim, muitos povos na miséria. Desencarnou a 4 de dezembro de 1642, devastado por uma doença que lhe causava tumores em todo o corpo, tinha o braço direito imobilizado e não conseguia mais andar.

“O homem tem que reparar no plano físico o mal que fez no mesmo plano. Torna a descer no cadinho da vida, no próprio meio onde se tornou culpado, para junto daqueles que enganou, despojou, espoliou, sofrer as consequências do modo de que anteriormente procedeu.”

(Leon Denis, O Problema do Ser, Destino e Dor)

De volta ao plano espiritual, era assaltado por um angustiante sentimento de remorso e as lembranças de seu passado eram para ele muito dolorosas, a matança, as pilhagens, o terror que a simples aproximação de suas tropas causavam nas cidades a serem conquistadas.

Era preciso uma encarnação redentora, mas como sabemos, a lei de Causa e Efeito é implacável, e redimir-se seria doloroso. A bondade infinita do Pai concede a todos a oportunidade de evolução, entretanto os débitos contraídos precisam ser resgatados e às vezes de forma penosa, sempre dependendo das ações pregressas, quanto mais graves forem, mais penoso o resgate.

Esse espírito tão endividado não tinha, porém, condições de escolher as suas provas. É comunicado por um bondoso irmão sobre as dificuldades que enfrentaria na reencarnação redentora, sendo o portador da doença de Hansen, antigamente chamada de lepra.

Desta forma, o espírito deveria dominar as suas más tendências pois, do contrário, ele se lançaria novamente às aventuras de dominação. O bondoso irmão avisa a ele que o espírito Agostinho, o mesmo que fora por ele humilhado quando encarnado como Alarico I, vinha já de muito tempo auxiliando-o nas aflições que o atingiam. Comovido com a revelação, o espírito chora tocado pela emoção ao saber de que tão sublime entidade o ajudava há tempos.

O reencarne como Jésus Gonçalves

Com a oportunidade de redimir-se de seus débitos contraídos como Alarico I, Alarico II e como o poderoso Cardel Richilieu, vamos encontrar esse espírito em nova romagem terrena, agora encarnando na cidade de Borebi, em São Paulo, a 12 de julho de 1902, em meio à pobreza, que já denotava as agruras pelas quais passaria nesta sua existência.

Aos 3 anos de idade, perde sua mãe vitimada por grave enfermidade. Seu pai, era um humilde lavrador. Aos 14 anos, Jésus começa a trabalhar no campo, como cultor e beneficiador de algodão e café. Por esta época, apoiado por seu tio, aprende a tocar um baixo de sopro. Junto com alguns outros músicos, monta depois a “Bandinha de Borebi”, animando os bailes de final de semana. Mostrava-se possuidor de uma personalidade marcante, era muito disciplinado e dedicado ao que fazia.

Aos 17 anos, muda-se para Bauru, onde aos 20 anos de idade torna-se tesoureiro da Prefeitura daquela cidade. Nesta época casa-se com Theodimora de Oliveira, viúva e com duas filhas. Dessa união, nascem seus 4 filhos.

Em 1930, acometida pela tuberculose, sua esposa desencarna. Jésus agora tinha 6 filhos para criar, apesar da amargura pela perda da esposa, ele continua levando alegria ao povo da cidade, como clarinetista da Banda da Prefeitura de Bauru.

Incansável, torna-se autor de algumas peças que foram encenadas nos teatros da cidade e, além disso, torna-se articulista no jornal Correio de Bauru. O outrora violento espírito canalizava agora a sua energia para as coisas edificantes como a música, o teatro e a poesia. Encontrava tempo ainda para publicá-las no jornal, como neste trecho de uma delas: “No poema sincero que agora concebo, direi sem receios com muita firmeza, que em tudo o que vejo, o que sinto e percebo, contemplo a cantar, nossa mãe Natureza”.

Nessa época, ele nem imaginava as provações pelas quais teria que passar. Algum tempo após a morte de sua esposa, conhece Anita Vilela, que vinha apoiando-o na tarefa de educar os filhos. Naturalmente aproximam-se e casam-se, tendo a união durado 12 anos até o desencarne desta.

O Início da Expiação 

Contava Jésus Gonçalves com 27 anos de idade quando certa feita notou que lhe surgiram pequenas manchas no braço direito e alguns nódulos nas orelhas. Como não lhe causavam incômodo a princípio não deu atenção ao fato. Com o passar do tempo, porém, os mesmos começaram a aumentar e ele decidiu consultar um médico. O veredito do profissional foi dado sem nenhum traço de sensibilidade, ao informar-lhe que possuía o mal de Hansem (lepra), e que ele médico comunicaria imediatamente ao Serviço Sanitário Estadual a condição de seu paciente. Isso ocorreu em 1929, naquela época não havia cura para a hanseníase, e o paciente deveria afastar-se do convívio social a fim de evitar o contágio.

Na época de Cristo, a lepra era considerada como uma maldição, um castigo divino, os pobres portadores da doença eram segregados e obrigados viver em cavernas ou vales, entregues à própria sorte, e eram considerados seres impuros como os cemitérios. Jésus Gonçalves era agora um impuro pois a discriminação e o preconceito contra a moléstia continuavam a existir na sua época. Já não podia mais viver em sociedade.

Em 1933, um veículo do Serviço Sanitário vem buscá-lo e inclemente retira-o do convívio familiar para ser internado no Asilo-Colonia Aymorés, em Bauru. Conformado, Jésus aceita ser levado sem protestar, ao contrário da maioria que se rebelava diante de uma situação assim. As marcas da doença tinham avançado, com horror, imagina ele dentro em breve estaria reduzido a um monte de carne disforme. Exasperado pergunta onde estava Deus para permitir que sofresse tanto.

Em 1937, com o inexorável avanço da doença, Jésus passa a ter dores fortíssimas no fígado. Transfere-se nesse momento para o Hospital de Pirapitingui em Itú, com a possiblidade de um tratamento melhor. Nessa Instituição, Jésus logo desperta a amizade de muitos que passam a admirar o seu perfil de líder, sobressaindo-se naturalmente sobre os demais.

A doença, porém, avança sem piedade, sem trégua, atingindo as extremidades de seu corpo e caminha para atingir outros órgãos internos. O espírito que outrora pilhava, conquistava, aterrorizava, vergastado sob o efeito da doença, canaliza agora a sua energia para as artes e funda no Hospital uma Jazz Band além de um jornalzinho interno, O Nosso Jornal, acumulando as funções de editor e redator.

Anita Vilela, Exemplo de Abnegação e Renúncia

Depois de um longo embate contra a Saúde Pública, sua segunda esposa, Anita Vilela, consegue internar-se voluntariamente, mesmo estando sã, com Jésus para apoiá-lo no que fosse necessário, em uma enorme demonstração de abnegação e renúncia, deixando de lado a beleza e a juventude, para insular-se em um local de tanto sofrimento.

Havia no Hospital uma mulher de nome Ninita, adepta da Doutrina Espírita. A figura de Jésus causava-lhe muita piedade ao vê-lo sofrendo tanto e ao mesmo tempo o quão estava ele afastado de Deus, pois era ateu. Jésus revoltava-se, questionava porque Jesus permitia o sofrimento a tantas criancinhas, portadoras da hanseníase como ele, achava que não havia justiça. Blasfemava contra Deus, inconformado ao ver o seu corpo e de outros internos passando pelos horrores da incurável e avassaladora enfermidade.

Ninita, pacientemente passava a Jésus os ensinamentos de Kardec, fazia a ele ver que o padecimento pela doença tinha uma causa, originado de seu passado delituoso, sobre o qual ela evidentemente não tinha detalhes.

Já corria o ano de 1943 quando Jésus sofre outro grande golpe, sua amada companheira, Anita Vilela, vem a desencarnar vitimada por grave doença. Pode-se dizer que a morte dela foi um divisor de águas na vida de Jésus.

Haviam sessões espíritas no hospital, e para seu espanto, durante o seu velório, o espírito de Anita se manifesta e se dirige a ele dizendo: “Velho, não duvides mais, Deus existe!”, e depois ainda conversa com ele sobre coisas que somente o casal sabia. Estupefato com o episódio, Jésus procura as obras básicas da codificação em busca de esclarecimentos.

Porém, sua total aceitação sobre o Espiritismo deu-se dias após, quando acometido por lancinantes dores no fígado, põe água em um copo e lança em voz alta um desafio, dizendo que se Deus realmente existisse, que colocasse então o remédio na água para aplacar a sua dor. Instante depois, toma a água, sente que ela tem um gosto amargo e tem que correr ao banheiro. Logo após, as dores haviam desaparecido como que por encanto. Era a prova da qual necessitava, passa a estudar avidamente as obras de Kardec. Converte-se, e após solicitar permissão para a direção do hospital, Jésus funda a “Sociedade Espírita Santo Agostinho”, oficializando a prática da Doutrina Espírita naquela Instituição.

O Desencarne

Com o passar do tempo, seu estado de saúde agrava-se e a doença implacável vai definhando ainda mais o seu já combalido corpo físico, Jésus percebe que se transformara em um farrapo humano. Seu aspecto era deplorável, a enfermidade fez desaparecer a sua narina e deformara horrivelmente o seu rosto, já não conseguia mais falar pois as cordas vocais estavam destruídas.

O fim se aproxima, e uma surpreende calma o envolve, os ensinamentos adquiridos ao estudar e praticar o Espiritismo lhe dão a confiança de que ao partir teria o conforto necessário no Plano Maior da Vida.

Finalmente, Jésus Goncalves desencarna em 16 de fevereiro de 1947. Seu corpo já maltratado e desfigurado pela doença não tem mais vitalidade e a vida orgânica cessa.

O espírito que outrora como Alarico e Richelieu conquistava territórios, agora como Jésus tanto tempo depois, lograra outras conquistas, a da transformação interior, dos valores espirituais, que propiciaram a ele após muito sofrimento, a sua redenção.

Por Gilson Tadeu Pereira.

*Agostinho de Hipona: foi um dos principais colaboradores de Kardec durante a Codificação. Há textos de sua autoria em O livro dos Espíritos, tais como Anjos Guardiões, espíritos protetores, familiares ou simpáticos. No Evangelho Segundo o Espiritismo”, Mundos Regenerados, Progressão dos Mundos, O Mal e o Remédio.

Fonte: encarnações de Jésus de A Extraordinária Vida de Jésus Gonçalves de Eduardo Carvalho Monteiro.

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